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A SOCIEDADE 4.0 E SEUS REFLEXOS NO MUNDO DO TRABALHO

Atualizado: 30 de abr. de 2019


Autor: João Teixeira, Ph.D

A Indústria 4.0 está chegando. Com ela, haverá uma grande racionalização da produção para que os desperdícios de material e de mão-de-obra se tornem mínimos. Estamos em outros tempos, nos quais temos a percepção da escassez de recursos naturais e da necessidade premente de reciclar tudo o que for possível. Se quisermos que a economia continue funcionando, não podemos mais esbanjar. A lição que estamos aprendendo é que gerar energia limpa e conter as emissões de dióxido de carbono não são apenas obrigações ecológicas e morais em relação ao nosso planeta, mas um imperativo econômico, que exige que a indústria se coloque em um novo patamar de produtividade para sobreviver.


Nesse novo cenário, há uma grande inquietação sobre o futuro do trabalho. Há um temor generalizado de que novas tecnologias como a inteligência artificial tornem vários tipos de atividades humanas redundantes. Tecnologias que nos poupem do trabalho, sobretudo do trabalho mental, são vistas como uma ameaça aos empregos e à renda individual. Na Idade Média, as pessoas trabalhavam 3 dias por semana e apenas uma parte do ano. Naquela época, uma máquina que poupasse as pessoas de trabalhar seria muito bem-vinda. Hoje em dia, vivemos um paradoxo. Máquinas que nos poupem do trabalho, sobretudo do trabalho mental, são vistas como uma ameaça. As pessoas clamam por emprego, por trabalho. Todos os políticos em campanha prometem a geração de empregos. A tecnologia, que poderia trazer alívio, contribuiu para uma distribuição perversa do trabalho. Cada vez menos pessoas trabalham e trabalham muito mais do que antes. E cada vez mais aumenta a fila do desemprego. A qualidade dos empregos oferecidos também deteriorou muito.


A ideia de que o trabalho desaparecerá é uma lenda urbana. Mas ele passará por uma reconfiguração social e tecnológica drástica nas próximas décadas. Segundo pesquisa da consultoria McKinsey, 50% das vagas serão fechadas. Teremos saudades da época na qual o desemprego estava em 12 ou 15%. Já vivemos sintomas dessa situação. O trabalho está cada vez mais precarizado ou “uberizado”. O trabalho intermitente tende a se tornar a regra e não a exceção.


A uberização é o resultado das novas tecnologias, que atingem em cheio as profissões que envolvem trabalho mental. As inteligências artificiais estão substituindo atividades que requerem um curso superior. Contadores, assistentes jurídicos, publicitários, engenheiros e jornalistas estão sendo substituídos por softwares. Pessoas com essa formação estão tendo cada vez mais dificuldade para conseguir empregos e muitos estão agora dirigindo taxis ou trabalhando como baby-sitters.


Um efeito interessante da automatização será uma grande modificação da nossa cultura do trabalho. O trabalho uberizado não estabelece nenhum compromisso entre empregador e empregado. A ideia de carreira tende a desaparecer. A ideia do trabalho como obrigação moral também tenderá a desaparecer. No futuro, é possível que o trabalho deixe de ser o que define nosso papel nas sociedades. Trabalharemos de forma intermitente, apenas para sobreviver. Com a precarização do trabalho e a dissolução da ideia de carreira as pessoas podem enfrentar, em um futuro próximo, uma espécie de crise de identidade social. Pois sempre nos definimos pelo trabalho ou pelo emprego que temos. As pessoas dizem “sou professor” ou “sou jornalista”, mas no futuro elas não poderão mais fazer isso, pois mudarão de atividade várias vezes durante a vida ou não terão uma atividade principal por meio da qual elas possam se definir social e psicologicamente.


Estamos preparados para esse cenário? A resposta é negativa. No Brasil vivemos uma cultura excessivamente voltada para a discussão política. Acreditamos que todos os problemas do país podem ser resolvidos por meio de decisões políticas acertadas. Mas já está na hora de entendermos que precisamos discutir que tipo de tecnologias queremos e não simplesmente engoli-las goela abaixo à medida em que elas são inventadas. Não podemos ser simplesmente consumidores maravilhados. Será que queremos a automatização das nossas fábricas? Em que grau? Será que queremos a substituição total dos motoristas por carros autônomos? Estamos preparados para o desemprego que estas tecnologias trarão? Não quero com isso dizer que a política é um assunto secundário, longe disso. Mas precisamos reconhecer que a tecnologia já nos afetou. Enfrentamos uma reforma da previdência causada pelo envelhecimento da população. Foram os progressos da medicina que possibilitaram que vivamos mais tempo. Isso torna claro o quanto a ciência e a tecnologia passaram a afetar decisões econômicas e políticas. Não podemos simplesmente fechar os olhos para outros episódios desse tipo que ocorrerão a curto e médio prazo. A indústria 4.0 está chegando e não pede licença para entrar.


João Teixeira, Ph.D




O Prof. Teixeira é um dos pioneiros da inteligência artificial no Brasil.  Formado em possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1977), mestrado em lógica e filosofia da ciência pela Universidade Estadual de Campinas (1982) e doutorado (PhD) em filosofia pela University of Essex (Inglaterra). Fez pós-doutorado nos Estados Unidos em 1998, no Center for Cognitiver Studies, na Tufts University, sob a supervisão do Prof. Daniel Dennett. Participou do grupo de ciência cognitiva do Instituto de Estudos Avançados da USP. Foi professor na UNESP (campus-Marília) de 1982 a 1991. Em 1992 ingressou na Universidade Federal de São Carlos, e, atualmente é professor titular nessa universidade. Em 1993 criou, junto ao curso de pós-graduação em Filosofia da UFSCar, a linha de pesquisa em Filosofia da Mente e Ciência Cognitiva, pioneira no Brasil. Publicou 13 livros na área de filosofia da mente e ciência cognitiva, sendo o último, FILOSOFIA DO CÉREBRO publicado em 2012 pela Editora Paulus. Escreve a coluna de filosofia da mente para a revista mensal Filosofia: Ciência e Vida, da editora Escala. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos da ciência cognitiva, filosofia da mente, filosofia da psicologia e filosofia da neurociência e da inteligência artificial.


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